Estamos em terras gaúchas, dominadas por um clima ameno e serras
povoadas de araucárias, rasgadas por grandes cânions, fruto dos abundantes
cursos de água que no seu caminho esculpem a montanha, moldando a paisagem, enchendo-a
de vida, transformando a terra vermelha em verde profundo onde o gado pasta
tranquilamente. Aqui a terra ainda cheira a terra e a erva molhada.
Não admira que esta dinâmica natural tenha atraído gente de
tão longe, como alemães e italianos, que por volta de 1820 começam a colonizar
as terras do sul, onde se fixaram e floresceram, criando desde pequenos e
singelos povoados até grandes cidades de malha urbana bem definida e
construções bem típicas do outro lado do Atlântico.
Talvez essa seja a razão pela qual, e a par de algumas
regiões do estado do Paraná, esta seja a parte do Brasil que mais se pareça com
essa Europa, minha velha conhecida onde estão as minhas raízes.
Gramado e Canela
Duas pequenas joias irmãs na sua origem, já que
são marcadas pela influências alemãs, conhecidas por pertencerem à região das
hortênsias, brindam-nos com uma gastronomia rica e diversa, uma bela malha
urbana, mais visível em Gramado, que parece a irmã mais rica das duas, mas que
nem por isso desmerece a menos abastada.
Economicamente
dependentes do turismo (hotelaria e restauração), não deixa de ser bem
interessante a diversidade de atrações culturais como museus (visitados –
Dreamland ou museu da cera e museu Harley Davidson), parques temáticos (visitado
– Parque do Caracol com a sua fantástica queda de água), o artesanato do vidro
e do chocolate, de cunho e origem europeia, mas também da venda de artefatos
ligados à cultura local como é o caso do chimarrão (erva mate) algo trazido aos
nossos dias pelas culturas autóctones e que se traduz no que o europeu poderá
considerar como um chá não fervido e não açucarado feito de erva mate num
recipiente tradicional denominado de cuia e bebido através de tubo metálico de
nome bomba.
Sendo que as tradições são parte integrante da cultura dos
povos, esta é seguramente uma daquelas que deve ser difundida e preservada.
A Cultura do vinho
Conhecido na Europa e no Oriente Médio desde tempos
imemoriais que não se contam por décadas nem séculos, mas por milénios, o vinho
mais do que um produto de uso gastronómico, assume-se como elemento cultural e
histórico de fortes tradições na grande maioria dos países do sul europeu, com
ligações à antiga mitologia grega (em versão romana) através de “Baco” Deus do
vinho e da vinha, filho de Júpiter e que, para além de abençoar as colheitas
era conhecido por promover festas ligadas ao vinho e ao sexo. Ainda hoje são
conhecidos os termos “bacanal” ou mais comum por terras brasileiras “bacana”. É
também conhecido o consumo do vinho pelos governantes e legiões romanas, pelo
que não admira que a viticultura tenha sido introduzida pelos colonos italianos
no inicio da colonização, sendo mesmo durante muitos anos uma das principais
atividades agrícolas destes recém-chegados, fazendo ainda hoje (e espero que
cada vez mais) parte da paisagem, da economia e da gastronomia da região.
Bento Gonçalves – Garibaldi – Carlos Barbosa
Um dos atrativos turísticos é uma viagem que tem como ponto
de partida Bento Gonçalves e ponto de chegada Carlos Barbosa, passando por
Garibaldi, três cidades da região, efetuada de comboio (trem) ainda com a antiga caldeira
a vapor, tendo como combustível a lenha a que carinhosamente chamam de “Maria
Fumaça” e que me fez lembrar em muito a viagem do comboio histórico entre a
Régua e o Tua, onde a riqueza e a beleza da paisagem duriense é substituída por
apresentações musicais e teatrais reportando à história da colonização italiana
que induz um ambiente festivo durante todo o percurso, com as paragens
aproveitadas para degustação de vinhos e sumos (sucos) de produção local.
Esta viagem é antecedida de uma visita ao parque temático
“Epopeia Italiana” que de algum modo nos dá a conhecer os tempos difíceis dos
primeiros colonos que aqui chegaram, fosse pela gigantesca tarefa que os
aguardava, fosse pela saudade da terra (Itália) ou da família. Aí lembrei do
tamanho da epopeia portuguesa que começou por volta de 1500.... Sei que são (foram) coisas diferentes,
mas essa ideia assolou-me a mente. (Apenas um pequeno rasgo de nacionalidade).
Por fim... O tempo para terras gaúchas se acaba... Há que
pensar “noutras vidas”... Há que regressar, mas não sem ficar a ideia de que
deixamos para trás um Brasil magnifico onde seria bom morar se a vida o
permitisse, porque afinal aquele cantinho do Brasil não deixa de ser uma
extensão da Europa no continente sul-americano.